Rita Carmo é “a” fotógrafa de música em Portugal: “A fotografia tem de passar emoção, mais do que estar tudo tecnicamente certinho”
Dos tempos de estudante de moda para os dias de hoje trouxe o espírito jovem e a postura irrequieta que a faz estar sempre à procura de novos projetos. 23 anos depois de publicar o seu primeiro trabalho no antigo jornal Blitz, agora revista especializada em música, Rita Carmo tornou-se a mais conceituada e bem-sucedida fotógrafa portuguesa na área do espetáculo, nomeadamente da música. Cresceu com a Blitz, a Blitz cresceu com ela. Com um currículo de mais de três mil concertos fotografados, admite que a experiência lhe tem valido de muito e que, na hora H, não há espaço para nervosismos, mesmo diante de grandes artistas internacionais. Em paralelo com a Blitz e num registo independente, faz design gráfico, também na área da música, dá formação e workshops, tem três livros de fotografia publicados (Bandas Sonoras (2013), Portugal XXI – Imagens de Sons Portugueses (2008) e Altas-Luzes (2003) e é mãe e tem um blogue. Diz que seria igualmente feliz se o seu caminho tivesse sido outro, desde que estivesse a fazer alguma coisa de que gostasse.
Já disse em entrevistas que nunca ambicionou ser fotógrafa do Blitz. Como é que isso acabou por acontecer? Como é que se especializou em música?
Estava a fazer um curso de moda no IADE [Instituto de Arte, Design e Empresa] e tencionava seguir pela via da ilustração de moda, mais do que pelo estilismo ou designer. Acabei por sugerir à escola fazer uma especialização final em fotografia de moda e fiz uma exposição na FIL, como finalista do curso. Nessa altura uma produtora de moda que trabalhava no BLITZ convidou-me para fotografar o desfile dos meus colegas também finalistas. Esse foi o meu primeiro trabalho impresso no Blitz, na altura ainda jornal, depois convidaram-me para fotografar um concerto, gostaram e pouco tempo depois convidaram-me para ficar no quadro. É verdade que nunca ambicionei ser o que sou hoje porque sempre gostei de fazer muitas coisas diferentes, desenhar, fotografar, escrever, costurar… Hoje podia ser igualmente feliz a fazer qualquer outra coisa, tenho a certeza que também teria encontrado o meu caminho.
O Blitz não era só música.
Durante muitos anos fotografei espetáculo em geral, o Blitz focava tudo o que tinha a ver com adolescentes. Depois, nos anos 2000 é que se concentrou mais na música. Na altura o Blitz era um jornal de nicho. Hoje é uma revista com muito mais credibilidade, mais bem estabelecida no mercado editorial. Cresceu e eu acompanhei de perto esse crescimento.
Foi durante muito tempo a única mulher entre homens nesta profissão. Respeitavam-na?
Eu entrei no Blitz com 21 anos e muitos dos colegas que trabalhavam nos concertos, quase sempre à noite, tinham quarentas, cinquentas e às vezes eu sentia que não me levavam muito a sério, não por ser mulher mas por ser miúda. Nunca senti descriminação negativa pelo facto de ser mulher mas já senti descriminação positiva e aproveito isso.
Vocês têm um tempo limitado, normalmente as primeiras duas ou três músicas, para fotografar. Costuma sentir que precisava de mais ou é mais daquele espírito, no problem, alguma há-de ter saído bem?
Quando comecei a fotografar, à exceção de coisas internacionais e de grande dimensão, tipo Michael Jackson, podia-se fotografar o concerto todo. Hoje em dia, com maior restrição, podendo fotografar só as duas ou três primeiras músicas, ou até 1 minuto, como já me aconteceu algumas vezes, há maior pressão mas como não sou muito pessimista e como também já tenho alguma experiência, nunca sinto que saí de lá com as mãos a abanar. Às vezes os meus colegas dizem-me: ah isso para ti é muito fácil. Se não fosse para mim mais fácil era muito mau. Eu faço muitos concertos por ano, portanto a minha experiência é grande, se eu não estivesse muito à vontade era grave, queria dizer que eu não tinha aprendido nada em todo este tempo. Quando o artista se mexe muito, quando há muita variedade de imagens, de luz, quando as coisas tecnicamente estão bem, é muito fácil, fazermos um bom trabalho, mesmo só com uma música. É óbvio que não ficamos com o resumo do espetáculo mas conseguem-se bons registos. Mas há concertos em que, se o artista não se mexer e a luz for má, nem três músicas chegam.
Tem um currículo de cerca de 3000 mil concertos fotografados. A quantos assistiu de facto?
Assisti a muitos e ainda assisto. Se eu não estiver a fotografar e estiver a ver e ouvir mal aborrece-me. Quando estou em trabalho, sei que a seguir vou ter que estar a trabalhar sobre as imagens que fiz, tenho ainda uma responsabilidade por minha conta, e muito trabalho pela frente, portanto não é comum que fique a ver concertos e também não é esse, normalmente, o meu objectivo. Quantos é que vi? Não sei, talvez 10%.
Já pediu algum autógrafo ou recordação a algum artista?
É raro. Recordação não de todo. Aliás quando me caem coisas, tipo palhetas, ao pé de mim, eu atiro para o público, não me aproveito da minha posição privilegiada. Mas como é óbvio já tirei muitas fotografias em equipa, com artistas e penso que o que guardo mais são as memórias. Pedir autógrafos é muito raro e quando digo raro, posso mesmo dizer que não me recordo de o ter feito. Tenho o livro Altas Luzes, o primeiro que editei, com algumas mensagens de artistas portugueses e estrangeiros, mas dei o livro à editora que o fez chegar a essas pessoas, não fui eu, de facto, que o fiz. Os portugueses, conheço-os normalmente tão bem que isso basta. Esse tipo de pedido é uma coisa que eu acho que retira a parte profissional, que eu considero muito importante, portanto não faço isso.
Três concertos que a tenham marcado e porquê?
Não consigo. Por ano faço mais ou menos 100 concertos, daí apontar esta estimativa dos 3 mil, por isso três não consigo mesmo.
Fotografou o Thom Yorke? Como foi?
Fotografei-o apenas em concerto, com muita pena minha, porque Radiohead é precisamente uma das minhas bandas preferidas. Acho que se estivesse ao pé do Thom Yorke ia estar nervosa. Mas estive ao pé da PJ Harvey, de quem também gosto muito e portei-me bem. Estávamos até num quarto de hotel, portanto numa situação bastante intimista e consegui controlar perfeitamente as minhas emoções, correu muito bem. Acho que com o Thom seria a mesma coisa. É muito difícil apanharem-me nervosa.
Tem saudades do analógico?
Não tenho propriamente saudades porque me dava mais trabalho. No sentido em que, além de fotografar, eu também revelava os meus rolos na redação. A seguir a um concerto tinha de ir para lá à noite ou no dia seguinte muito cedo. Reconheço que o digital aumentou-me o trabalho mas facilitou-me muito a vida. Agora, o estúdio, o estar em laboratório, os químicos, é um processo muito bom que eu acho que quase todos os fotógrafos deviam passar por ele, porque percebe-se todo o processo de feitura da fotografia, enquanto o digital parece que é uma espécie de magia. Chegamos, fazemos e pronto, está feito. Ainda tenho câmaras analógicas e durante algum tempo até fotografava as férias em família, com rolos a preto e branco, mas depois acabava por não revelar, não era rápido nem prático e acabei por deixar de o fazer.
Uma boa foto tem quanto de inspiração e quanto de técnica?
Acho que é uma relação de 70 para 30 por cento. A fotografia tem de passar emoção. A cor, aquilo que estou a fotografar, a pessoa e a expressividade de quem estou a fotografar é muito mais importante, mais do que estar tudo certinho, o enquadramento perfeito, sem cortes. Mas é óbvio que a parte técnica é importante. Muitas vezes deito fotografias fora porque não estão focadas e tenho muita pena, porque até estavam engraçadas, mas não posso publicar imagens que não estão bem.
Já pensou em mudar o objecto das suas fotografias? Deixar a música e dedicar-se a paisagens, viagens, produtos, pessoas…
Já e estou a fazer isso. Está respondido, não posso dizer mais nada.
Mais nada, nada mesmo? Mas vai deixar a música?
Não. Claro que não. Porque faria essa maldade a mim própria? O que posso dizer é que estou a trabalhar num projeto paralelo que nada tem a ver com música. E agora sim, não digo mais. Vão ter de esperar para saber.
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